Desde os sete anos de idade, Aloísio Pacini Tostes, despertou a paixão por pássaros. Muitas vezes os criava apenas para observá-los e depois os soltava. O que não imaginava, é que o carinho e o respeito pelos animais crescessem ao ponto de tornar-se fonte de renda.
O estudo, que começou a fazer aos nove anos de idade, apenas pela curiosidade em conhecer o universo dos pássaros, passou a fazer parte de sua vida e o acompanhou durante a faculdade de Administração de empresas e os 30 anos de carreira como bancário. Aposentado, hoje é considerado um dos maiores conhecedores de pássaros do Brasil, com um acervo de documentários, anotações e gravações de 50 anos de pesquisa. Alguns trabalhos estão exibidos nos livros “Criação de Bicudos e Curiós” e “Criação de Canários da Terra”, e um Cd de cantos de curió.
Aloísio Pacini é mineiro, mas mora em São Paulo, onde tem um criadouro comercial de aves nativas e preside a Confederação Brasileira dos Criadores de Pássaros Nativos (Cobrap) e trabalha um conceito de exploração de recursos naturais baseados na sustentabilidade. Em viagem por todo o Norte do Brasil, ele marcou presença esta semana em Rio Branco e concedeu uma entrevista exclusiva ao Página20.
Como é o trabalho da Confederação Brasileira dos Criadores de Pássaros Nativos?
O objetivo da Cobrap é a sobrevivência e a reprodução das espécies. No Brasil há um interesse, uso e costume da população por aves. Um total de 22% dos lares brasileiros têm pássaros, o que dá uma média da população de 10 milhões de pessoas. Desse número, menos de 1% estão registrados. Temos um sério problema, porque a ilegalidade alimenta o tráfico ilegal, o qual tentamos combater. O risco que os pássaros correm por estarem nas mãos de pessoas que não estão autorizadas a detê-los é a extinção desse patrimônio genético.
Estamos conversando com o poder público, porque é um trabalho que tem de ser feito junto a eles, para encontrar saídas.
Temos também que evitar essa questão do sensacionalismo, que coloca que estamos matando, agredindo o meio ambiente, porque não é isso. Hoje os países mais desenvolvidos, Europa, Estados Unidos, tem como negócio o Peti (animal de estimação). Na Bélgica esse é o terceiro maior produto de exportação.
Você acha que esses países servem de modelo para a exploração do mercado no Brasil?
O que acontece nesses países de primeiro mundo é válido, mas de repente eles querem impor regras aqui, temos que ter cuidado. Eles financiam Ongs, algumas, muito bem intencionadas, outras duvidamos da honestidade de seu propósito sobre as pressões que são feitas. Por exemplo, porque importamos javalis se podemos criar catetos e queixadas, animais da mesma similaridade que poderão ser valorizados pelos brasileiros? Podemos sim reproduzir aves ornamentais com o objetivo comercial como existe no mundo inteiro.
Uma reprodução seguindo a valorização das riquezas da fauna e flora local...
Sim. O homem que tem um vaso de planta na casa dele está se aproximando da natureza. Às vezes mesmo sem perceber, você traz a natureza para perto de si. E com o animal é a mesma coisa. Só que ele não pode mais ser tirado do seu meio.
Por isso o incentivo à reprodução com forma de evitar a extinção de animais?
Isso. Temos que estimular a produção desses bichos para que eles atendam a demanda. Atendendo essa demanda com animal reproduzido no criadouro legalizado, muitos não serão mais retirados da natureza. Esse é nosso trabalho de preservação. É o enfoque que damos e queremos uma conscientização coletiva de todos que mantém aves. A natureza vai permitir que sobrevivamos, que a gente continue, se tiver certa e segura que a preservação está sendo mantida. Os animais que estão na natureza devem ficar lá, e o patrimônio genético que existe hoje em poder da população, em domesticidade, é plenamente suficiente para que haja reprodução, sem precisar capturar na natureza. E se houver eventualmente algum tipo, tem de ser dentro das normas do Ibama, que exige uma regulamentação.
A sua vinda ao Acre faz parte desse projeto da Cobrap em incentivar a reprodução com base na sustentabilidade...
Sim. Estamos passando por todo o Norte do Brasil, conversando com a sociedade, as universidades, chamando a parte acadêmica, os zootecnistas, os veterinários, biólogos, para estarem conosco nessa frente de trabalho que é importantíssima, porque o patrimônio genético que existe envolvido nessa situação é muito grande. Essa então é nossa missão, nosso objetivo em Rio Branco.
Como está a organização nos Estados?
A confederação representa o norte do Rio Grande do Sul a Roraima, os legítimos interesses dos criadores. Todos apóiam o trabalho. Estamos tentando esclarecer aqueles que eventualmente estejam na penumbra, que eles tenham a informação de que podem participar nesse trabalho, chamando a sociedade. Porque de repente a mídia passa uma informação que não é muito bem assimilada. Temos um trabalho de reprodução que está na Lei de Proteção à Fauna, que estimula que se tenham criadouros com objetivo comercial. Mas, o modelo correto de se fazer isso é a exploração dos recursos naturais de forma sustentável. As famílias, especialmente as do interior, podem sobreviver produzindo animais que não podem ser capturados, mas que estão disponíveis através do Ibama ou de outros criadouros. Evitamos assim, que outros animais entrem em extinção.
A correta exploração dos recursos naturais deve ser baseada na sustentabilidade. Essa é a saída para a reprodução das espécies?
Com certeza. Respeitando as leis. Se você derruba uma árvore e não planta outra, você está agredindo a natureza. A nossa ministra do Meio Ambiente sempre fala da exploração dos recursos naturais em uma relação de harmonia com a natureza. Você não agride a natureza, arruma uma forma sustentável para sobreviver daquela atividade.
Quem quiser uma arara em São Paulo, vai comprar na loja um animal criado em Rio Branco, e está sendo vendido legitimamente, dentro dos regulamentos e portarias exigidos pelo Ibama, que são rigorosos, mas plausíveis, em que você pode fazer um projeto, com a ajuda de profissionais da área. Inclusive, acho que os órgãos públicos têm de participar disso. Pode haver pessoas que não querem ser seringueiros, que tem aptidão para criar papagaio. Enfim, é uma outra alternativa de economia.
Quais os Estados no Brasil em que o trabalho da Cobrap está melhor assimilado?
Os mais desenvolvidos são aqueles que foram os mais agredidos. No caso São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e Góias. Mas, os Estados do Norte estão se destacando. Estamos com criador comercial em Belém, que faz um trabalho maravilhoso de seleção genética. Hoje o melhor curió reproduzido no Brasil é o de Rio Branco, chamado Gaiola Preta, que é considerado o melhor reprodutor do país. O Luiz Negrizoli (criador comercial) trouxe este pássaro de Botucatu e está produzindo aqui a excelência do Curió. Esse filhote é um dos mais solicitados.
Como a Amazônia deve se organizar, já que concentra a maior biodiversidade do planeta?
Quanto mais parques nacionais tiverem, melhor. Mas meu grande medo, é a pressão internacional em cima disso, com a idéia de intocabilidade. Esse conceito é maravilhoso, mas tem por trás um risco muito grande, porque na medida que não ocupamos uma área, ela corre o risco de ser invadida de maneira errada por outros países do mundo que estão com o olho grande na nossa Amazônia. Se não a ocuparmos de forma sustentada, vamos perde-la porque eles degradaram tudo o que era deles, e agora querem o que é nosso.
Estive em Roraima e fiquei muito preocupado em saber que nações do primeiro mundo estão se instalando no Estado, retirando nossas riquezas, o ouro, a ametista e até o urânio. Eles têm aeroporto com boeing levando daqui tudo que extraem. Sou a favor da ocupação sustentável de todas as áreas que tivermos na Amazônia, de maneira vigilante, sem degradação. Se não fizermos isso, corremos o risco de mais tarde chorar pela perda dessa nossa rica e linda Amazônia.
Como a sociedade deve se organizar para evitar essa ocupação?
Isso em que tocou é importantíssimo, porque a falta de organização é a base do tráfico, da ilegalidade, da miséria, exploração. Na hora em que se organiza, você começa a ter informação, representatividade, as pessoas poderão negociar, trocar idéias com o poder público para defender os interesses da classe. Aquela história de que o malandro é aquele que sabe respeitar as regras da sociedade é a mais certa. Temos o Fernandinho Beiramar que usa sua inteligência para fazer coisas erradas e vive naquela situação degradante. O Lula, que também é de origem humilde, é hoje o presidente da República, porque usou sua inteligência para agregar, juntar, fazer um movimento de defesa do país, da pátria.
Os envolvidos nesta área que trabalho têm de começar a criar associações, e atuar em parceria com a confederação, para discutirmos, cada vez mais, maneiras de podermos elevar esse conceito e preservar o que temos de melhor, que é a natureza.
Fonte: Página20.uol.com.br
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